Saúde
Esclerose múltipla é uma doença autoimune que atinge mais o público feminino
O Ministério da Saúde estima que no Brasil cerca de 40 mil pessoas vivem com a doença; patologia afeta principalmente mulheres jovens entre 20 e 40 anos
As atrizes Ana Beatriz Nogueira e Cláudia Rodrigues são duas personalidades famosas que já declararam publicamente que foram diagnosticadas com esclerose múltipla (EM). Trata-se de uma doença autoimune crônica que afeta o sistema nervoso central, incluindo o cérebro, a medula espinhal e os nervos ópticos. Na esclerose múltipla, devido uma falha no sistema imunológico, ele ataca a bainha de mielina, uma substância primordial que envolve e protege as fibras nervosas e responsável pela condução adequada dos impulsos nervosos. Esse ataque provoca inflamação e danos à mielina, resultando em cicatrizes (esclerose) e interferindo na transmissão de sinais entre o cérebro e o restante do corpo.
Os sintomas podem variar bastante de pessoa para pessoa, dependendo das áreas do sistema nervoso central afetadas. Eles são inespecíficos e podem ser confundidos com o de outras patologias. Por isso, o diagnóstico acaba sendo tão difícil de ser feito e a demora leva a um início de tratamento mais tardio, o que pode agravar a doença e o risco de sequelas irreversíveis.
No entanto, os mais comuns englobam fadiga intensa, desproporcional às atividades realizadas; problemas de visão; dificuldades de coordenação e equilíbrio; dormência ou fraqueza nos membros; problemas de memória ou cognição; espasmos musculares e rigidez; dificuldade em controlar a urina, incontinência ou retenção urinária; constipação.
Mulheres são mais acometidas
Segundo a ginecologista Helena Lapa (CRM-SP 221.722 e RQE 106763), a esclerose múltipla afeta mais o público feminino, com uma proporção de aproximadamente 2 a 3 mulheres para cada homem diagnosticado com a doença. Entretanto, sabe-se que a EM, quando ocorre em homens, tende a se apresentar de forma mais grave ou progressiva.
A especialista diz que embora a causa exata dessa diferença não seja totalmente compreendida, há várias teorias e fatores que podem explicar o motivo de as mulheres serem acometidas pela esclerose múltipla, pois a interação entre hormônios, fatores genéticos e sistema imunológico contribui para a maior presença da doença entre as mulheres. “Sabe-se que as mulheres têm, naturalmente, um sistema imunológico mais ativo em comparação aos homens. Isso ajuda a proteger contra infecções, mas também as torna mais propensas a doenças autoimunes, como a Esclerose Múltipla, Artrite Reumatóide e Lúpus”, aponta.
O impacto na saúde da mulher
A médica lembra que algumas mulheres com esclerose múltipla relatam que os sintomas, como fadiga e espasmos musculares, podem piorar durante o período menstrual devido às mudanças hormonais. Ela comenta que durante a menopausa, as ondas de calor, cansaço e alterações de humor podem se sobrepor aos sintomas da EM, o que pode dificultar o manejo da doença. “A diminuição do estrogênio também pode aumentar a inflamação e exacerbar os sintomas da EM, como fadiga e dor. Elas também têm maior risco de desenvolver osteoporose (perda de densidade óssea), especialmente se tiverem mobilidade reduzida, devido à diminuição de atividades físicas e ao uso prolongado de corticosteroides, usado para controlar surtos e sintomas da doença”, esclarece.
Helena argumenta que mulheres com esclerose múltipla, assim como ocorre em outras doenças crônicas, têm maior predisposição à depressão e ansiedade, que podem ser intensificadas pelo impacto da doença na vida cotidiana e nos relacionamentos.
A ginecologista observa também que a doença pode afetar a função sexual feminina, resultando em perda de desejo sexual, dificuldade em atingir o orgasmo ou redução da sensibilidade nos genitais. Além disso, problemas de fadiga, depressão e espasmos musculares podem impactar a qualidade e satisfação sexual. “Apesar desses desafios, com o manejo adequado e o diagnóstico precoce, muitas mulheres com esclerose múltipla conseguem viver plenamente. O acompanhamento médico regular e uma abordagem integrada de cuidados de saúde são fundamentais para manter a qualidade de vida”, salienta.
Tratamento
Helena reforça que o tratamento é personalizado, pois cada paciente pode experimentar a doença de forma diferente. “O acompanhamento com um neurologista especializado no assunto é essencial para determinar a melhor abordagem terapêutica em cada caso. Embora a esclerose múltipla não tenha cura, existem várias formas eficazes de tratamento que ajudam a melhorar a qualidade de vida dos pacientes”, pontua. As abordagens de tratamento mais comuns incluem:
Medicamentos modificadores da doença (MMDs): são usados para reduzir a frequência e gravidade dos surtos e retardar a progressão da EM. Eles atuam no sistema imunológico para reduzir a inflamação e os danos à mielina.
Tratamento dos surtos (recaídas): visa reduzir a inflamação e aliviar os sintomas, com corticosteroides.
Fisioterapia e atividade física regular: ajudam a melhorar a força e a flexibilidade, além de aliviar a fadiga e o estresse.
Terapia ocupacional: ajuda a adaptar as atividades diárias e o ambiente de vida para aqueles que possuem maior limitação de suas atividades diárias.
Terapia psicológica: lida com a depressão, ansiedade, mudanças cognitivas e aprender a gerenciar o estresse.
Grupos de apoio: úteis para compartilhar experiências e estratégias de enfrentamento.
Dieta equilibrada: com uma alimentação saudável anti-inflamatória e antioxidante.
Meditação, ioga, respiração: o estresse pode agravar os sintomas da EM, então tais técnicas auxiliam no gerenciamento do estresse.
Depoimento da médica
A esclerose múltipla (EM) impactou completamente a minha forma de trabalho e de conduzir a vida. Devido aos sintomas como a fadiga, dores e formigamentos, que pioram com o estresse e sobrecarga, tive que readequar a rotina para priorizar minha saúde e qualidade de vida. Diminuí a carga horária de trabalho para sobrar mais tempo e realizar meus tratamentos. Porém, isso também impactou drasticamente, no primeiro momento, os meus ganhos financeiros e oportunidades de trabalho. Mas tinha que seguir com o tratamento, exercícios físicos regulares, terapia psicológica, cuidados com a alimentação e o sono adequado para não sofrer com a fadiga da doença.
Quando vejo médicos trabalhando 24-48h seguidas, ficando vários dias fora de casa, passando várias horas em cirurgias ou auxiliando em trabalho de parto, compreendi que faria meu corpo adoecer mais e deixei tudo isso. Por um lado, sinto-me aliviada. Esses hábitos de vida são muito ruins para a saúde, independentemente de ter uma doença crônica ou não.
A esclerose múltipla me ensinou a ter uma vida mais equilibrada, a evitar excessos, pois tive que aprender a respeitar os limites do meu próprio corpo. Hoje, apesar do diagnóstico, estou mais saudável do que antes, porque cuido muito mais da minha saúde. Tenho uma vida normal e funcional. Quando falo que tenho a doença, ninguém acredita. Minhas pacientes ficam impressionadas porque estou bem física e psicologicamente. Vez ou outra a EM vem me assombrar com alguns sintomas, principalmente por atitudes minhas. Quando me excedo com o estresse, durmo muito pouco, alimento-me com bobagem ou faço exercícios físicos extenuantes, lembro-me que preciso respeitar os limites do meu corpo para continuar.
A vida de quem tem esclerose múltipla é assim: “um pé no acelerador e outro no freio, buscando o equilíbrio”. Antes da doença, eu queria abraçar o mundo. Por outro lado, não dá pra ficar só com o “pé no freio”, pois faz a doença evoluir física e mentalmente. É necessário buscar um ponto de equilíbrio para se manter saudável e ativo. Isso vale para qualquer doença crônica. Elas nos ensinam a sermos mais disciplinados, a praticar o autocuidado, o autoconhecimento, a ter prioridades. Às vezes, as doenças e os sintomas aparecem em um determinado momento de nossas vidas para mostrarem o jeito certo de viver.
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